quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Da importância do Pum na comicidade brasileira.


Era uma noite igual a tantas outras. Interessante, mas nem demais ou de menos. Simplesmente jogávamos conversa fora.

De repente surge o assunto: viram que absurdo o pobre aposentado que perdeu a mão no estádio, por causa de uma bomba? Revolta geral. E, simultaneamente, surgiu a dúvida. Mas como a bomba entrou? A polícia disse que revistou todo mundo.

Começou a primeira rodada de levantamento de hipóteses. Acaso a atleta brasileira do arremesso de disco estaria treinando do lado de fora do estádio e arremessara a bomba por engano? Risada geral. Pouco provável.

Então veio a resposta: entrou na cueca do sujeito. AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH??????? na cueca? E NINGUÉM percebeu? Gargalhadas. Seria o sujeito em questão superdotado? Ou, que me desculpem os boiolas.. um boiola assumido?

Nessa altura, o que fora uma conversa normal já se transformara em um circo, cada um rindo mais do que o outro. Veio então a cereja do bolo: sabe a tal bomba? Então... só iria explodir no final do jogo, caso o time do sujeito perdesse. Mas ele se perdeu no meio do jogo e.. Pum!! Pobre aposentado!! Atingido por um pum bombado.

Em meio aos estômagos que doíam e as lágrimas que caiam em meio a “histeria gargalhante”, alguém arrematou: -Isso merece uma crônica. Que tal : Da importância do Pum na comicidade brasileira?
Mais meia hora de risos e uma pálida tentativa de crônica depois, encontra-se o pum devidamente registrado, bem como os deliciosos, intensos e bobos momentos de alegria e felicidade que surgiram de coisa nenhuma mas que marcaram como só as pequenas grandes coisas conseguem fazer.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Poesia

Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Contando tijolos


Quatro... cinco ... seis . Chove. Estranhamente o grande número de pessoas não se movimenta. Estão todos ali, parados, olhares incrédulos, aturdidos, chocados.

Onze... doze. Meu olhar vagueia pelos semblantes, meu pensamento alça vôo. Lembranças ocupam agora o lugar das fisionomias.

Dezesseis.. dezessete. Lembro-me do primeiro choro, da primeira vez que o fitei. Da sensação inexplicável de que algo não estava como deveria estar. Das percepções sem razão aparente que, de repente, foram confirmadas.

Vinte e um... vinte e dois. As pessoas se aproximam lentamente, falam o que não ouço, e se vão. Minha mente continua a viajar. Primeiro o vôo objetivo, depois todos os outros que se seguiram por infindáveis dias e, principalmente noites.

Vinte e nove... trinta. O primeiro sorriso, a primeira esperança. O início de uma jornada repleta de inúmeros : “Não sei”; “Nunca vi”; “ É a primeira vez que me deparo com algo assim”.

Trinta e cinco... trinta e seis. O olhar seguindo as luzes da árvore de Natal e minha constatação feita entre lágrimas: Sim, ele enxerga. O Natal que terminou no hospital. Rima mais besta, tão besta quanto a própria situação de não querer rimar, tão besta quanto a falta de rima da própria situação.

Trinta e nove... quarenta. Foi dada a largada da corrida contra o tempo. Dia e noite tornaram-se uma só coisa: uma tentativa desesperada de sobrevivência.

Quarenta e seis... quarenta e sete... quarenta e oito. O trabalhador se afasta. Está terminado.

Somos apenas eu, o braço nos meus ombros e o buraco, agora lacrado, a minha frente.

Dou-me conta de que minhas roupas estão secas. Chovia somente dentro de mim.

Viro e sigo o caminho, minha única opção.


Adeus, meu filho!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Engatinhando nas palavras – um exercício de balbucio



Como dizer sobre o não saber dizer? Como falar sobre o calar?

Me pego hoje olhando para dentro de mim, para tudo o que calei. Um não expressar sem fim, tão imenso e tão constante que num ápice de instalação leva a um transbordamento do mutismo.

Olho-me e vejo-me repleta de coisas, possuidora de um sem fim de preciosidades coletadas e cuidadosamente guardadas ao longo de toda uma vida. Coisas lindas, delicadas, algumas tão arduamente conquistadas e todas, sem distinção, seguindo o mesmo caminho: envelhecimento, ostracismo, depauperação.

Estou aqui, inchada, inflada, repleta do que não digo, do que não uso por não saber colocar, por não saber usar. Em que momento bloqueei a nascente? Como conseguir e permitir que tudo escoe antes que as comportas estourem?

Qual enchente de grandes proporções, mais e mais vejo se aproximar o momento do desfecho final: uma catastrófica implosão ou um desembocar tímido das minhas águas turbulentas num mar acolhedor, onde meus sentimentos , tão aterradores devido ao confinamento, possam fluir calmamente, cientes e conscientes de suas proporções.

Onde a beleza e a feiúra possam ser vistos sobre seus verdadeiros prismas, sem privilégio de um sob o outro.

Onde haja espaço para cada coisa ser exatamente o que é - criando do atual entulho um conjunto harmonioso de belas e especiais raridades vivenciais.