terça-feira, 27 de maio de 2008

EmpoÇada




É interessante como um mesmo acontecimento pode, em fases distintas da vida, ser visto sob diferentes perspectivas.

Eu tinha dois anos de idade quando junto com um primo “pulava carnaval” sobre um velho poço desativado. A tampa de madeira, desgastada pela idade, cedeu, e eu mergulhei, sem aviso ou salva-vidas, num buraco de doze metros, com seis metros de água.

Minha avó, por um daqueles caprichos divinos, olhou pela janela no exato momento em que eu afundava. Pode, assim, impedir meu primo de se jogar atrás de mim ( se eu fui, ele também tinha que ir, não é ? ) e alertar meu avô para que pedisse ajuda.

Enquanto meu avô rodava o bairro em busca de auxílio , a vizinhança toda reuniu-se em torno do poço, onde minha mãe tentava, ao mesmo tempo, manter a calma e orientar-me para evitar que eu afundasse de vez.

Muitas lágrimas e promessas depois chegou meu avô com um poceiro, e eu fui retirada de lá, ilesa.

No dia seguinte eu, acompanhada de um séqüito de familiares e vizinhas , fui conduzida a Igreja da Penha, para pagar as inúmeras promessas que tinham sido feitas. Ao me ver ajoelhada rezando em frente ao altar ( pasmem: eu rezava com essa idade), com um sem número de pessoas chorando a minha volta, o padre da paróquia veio saber do que se tratava.

Virei celebridade! Naquele tempo ainda não havia televisão, de forma que o “meu “ milagre só foi noticiado nas rádios de São Paulo.

Durante anos da minha vida fui “aquela que caiu no poço”.

Esta história era, para mim, como aquelas que lia em La Fontaine, Monteiro Lobato e tantos outros autores que povoaram minha infância.

Anos depois, por razões que nem eu mesma sei explicar, tornou-se um fardo.

Lutei contra a sensação meio aterrorizante de submergir em momentos inesperados durante boa parte da minha vida. Gastei horas e uma pequena fortuna em análise para ver-me livre dela.

Dias atrás, conversando com um amigo, contei a história e ele ,mais do que prontamente, colocou:

- Você foi empoÇada!!!!!

Rimos demais.

Então me dei conta de que, em algum momento, eu saira nadando. Deixara para trás o poço escuro e, mais do que isso, tornara-me de fato uma sobrevivente.

Hoje sei, mais do que nunca, a força que tenho.

Fui, como disse meu amigo, empoÇada pela vida.

13 comentários:

Anônimo disse...

"(...) Lutei contra a sensação meio aterrorizante de submergir em momentos inesperados durante boa parte da minha vida (...)": Foi o trecho que mais gostei. Formidável este texto - suave, sensível, rico e tocante. Fez-me arrepiar. Um beijão.

Thereza.

Rosani disse...

Olá! Lucia

Que lindo texto, penso comigo que somente nos momentos que tudo perder o sentido,é quando encontramos dentro de nos uma força que nos dá coragem, fé e esperança. Seu texto me emocionado muito , porque me fez lembrar desses momentos que passei na minha vida. Parabéns!!! Novamente.

beijos

Lucia disse...

Thereza:

Nem preciso dizer nada a você. Afinal,foi balde algumas vezes.
Beijos, minha amiga querida

Lucia disse...

Rosani:

As vezes penso que talvez seja quando se perde o sentido das coisas que se ache o rumo da vida.
Afundar dói, mas bater o pé no fundo e fazer o caminho de volta dá, sem dúvida, uma incrível sensação de vitória.
Fico feliz em saber que também é uma excelente nadadora.
Beijos

Carol Timm disse...

Lucia,

Adorei seus lindos recados nas minhas duas Casas...

Também gostei muito de conhecer seu blog, cheio de belas histórias e lindas imagens.

Linkei você no meu primeiro blog, Casa de Palavras, é lá que guardo o caminho dos amigos...

Vou retornar sempre aqui!

Beijos,
Carol

Sonia Regly disse...

Lu,
Seu texto é triste e ao mesmo tempo cômico.Quer dizer que vc foi empoçada?? Tadinha!!! Tão pequenininha e afundando no poço. Mais ainda bem que o desfecho foi bom, não sofreu nada de mais, saiu ilesa. Amém!!! Beijos e rindo muito aqui com seu "causo"".

Lucia disse...

Oi, Carol:

Seja bem-vinda!
Beijos

Lucia disse...

Sonia:

Fui devidamente empoçada..rs.
Mas vc tem razão: o resultado do "empoçamento" acabou por se mostrar surpreendentemente bom.
Beijos

PatiK disse...

Poxa,Lu,vc tá se saindo uma excelente narradora...
Só posso deduzir q as trancas estão sendo postas abaixo e o texto tá fluindo,macio,escorregando para fora do lugar onde vc o trancava junto com suas memórias.
Estou gostando..

Beijos de boa noite.

Lucia disse...

Pati:

As comportas se romperam.
Agora é deixar fluir, escoar tudo que estava represado.
Limpar a casa e ser feliz..rs
Beijão

O Sibarita disse...

Meu Deus! kkk Oxente foi você a menina que caiu no posso e foi salva? Hummmm... kkk

Oi você me deve uma promessa, (kkkk) naquele tempo relalmente sem tv minha mãe ouviu a notícia pelo rádio e ai subimos a ladeira do Bonfim de joelhos para agradecer o milagre de você ser retirada do poço viva, fiquei com ele em carne viva, você é a culpada e ai? kkkkkk

Fia, é brincadeira... kkkkk

Oi você é um mulher de sorte, táis dito! Que bom...

bjs
O Sibarita

Lucia disse...

Sibarita:
Valha-me Deus!!! Foram vocês??
Vc sabe que o vizinho do irmão da tia da prima da comadre da irmã da minha mãe sonhou mesmo que tinha uma senhora baiana (gente boa demais) e o filho dela, que tinham se estropiado na Ladeira do Bonfim prá pagar uma promessa, por causa do meu empoçamento.A gente vem procurando os dois desde então, e nada de ninguém dar paradeiro. Mas viu como sangue de Jesus tem poder?
Demorou mais achei a quem devolver os restinhos de DNA da Ladeira..rs
Beijos, moço..rs

luacheia disse...

Estava lendo e me lembrando, eu tenho pavor a poço, acho q tive algum trauma na infância...tu não ficou "entraumada" kkkkkk...nem em um comentário eu me comporto, so falo bestagem rss..bjus querida e boa noite