segunda-feira, 30 de junho de 2008

Comemoração na ausência




Hoje te olho dentro de mim. Imagino teus traços. Converso contigo e pergunto das tuas preferências, dos teus sonhos. Ouço uma conversa imaginária onde me contas do teu final de semana: onde foram dançar, você e seus amigos. As conversas que tiveram, as meninas com as quais dançou, os beijos que trocou. Crio dentro de mim um sem fim de possibilidades. Como serias, se estivesse aqui, hoje? Estarias formado? Que profissão terias escolhido? Estarias apaixonado? Para que time torcerias? Que músicas preferirias?

São tantas pequenas coisas que não vivemos e das quais sinto uma saudade infinita. A primeira palavra, o primeiro tombo, a primeira dúvida, o primeiro dia de aula. Todas as férias que não compartilhamos, os livros que não lemos juntos, os filmes que não assistimos. A primeira saída noturna, o primeiro amor, a primeira decepção. Ah, meu filho! Que saudade sinto dos anos que nos foram roubados.
Hoje é seu aniversário. Quero parabenizá-lo por hoje e por todos os anos em que não pude fazê-lo. Quero dizer-lhe, ainda, que o breve tempo que estivemos juntos foi um dos maiores presentes que recebi em toda a minha vida. Obrigada, meu querido. Eu amo você!

domingo, 29 de junho de 2008

Nuances do Amor





Quem não sonha com um amor redondinho? Quem não deseja viver em estado de amor perfeito, acordando e dormindo felicidade? Qual de nós, quando pensa em alguém para compartilhar a vida, não imagina aquela pessoa com a qual vai poder dividir pensamentos, sentimentos?

Parece que procuramos sempre algo muito simples. Basta que seja alguém com quem possamos conversar, dividir a xícara de café , os pontos de vista. Alguém que seja carinho e confiança em tempo integral. Alguém que nos enterneça com um olhar e nos enlouqueça com um toque apaixonado. Simples! Simples? Não!

O amor verdadeiro, aquele que se faz no dia-a-dia, não vive em tamanho estado de perfeição. Talvez por acontecer com pessoas reais, ou até mesmo por isso, ele é cheio de pequenas e grandes dificuldades. O outro, com quem dividimos nosso desejo de amar, é alguém que também tem sonhos, crenças, pontos de vista. É alguém que tem contas para pagar, acorda de mau humor, gosta de assistir futebol quando você quer namorar na varanda.

Seria justo questionar a qualidade ou profundidade deste amor somente porque ele não se encaixa exatamente naquilo que nós julgamos que seja amor? E depois, quanto das nossas inseguranças pessoais tendemos a levar para dentro dos nossos pseudo relacionamentos perfeitos, fazendo com que olhemos a atitude do parceiro a partir da ótica das nossas próprias dificuldades?

Amar é bom, é necessário.. Só não é perfeito. Isso não quer dizer que tenhamos que nos contentar com uma relação de segunda linha. Ao contrário, se soubermos separar dentro de nós o amor verdadeiro da ilusão poética de amar, com certeza conseguiremos vivenciar plenamente este sentimento que tanto buscamos.

O amor é, sem dúvida, maravilhoso. É algo que nos preenche, que resignifica nossa vida. No entanto, muitas vezes, o nosso medo de ser feliz é tão grande que, apesar de passarmos a vida correndo atrás do amor e da felicidade, simplesmente não os vemos quando eles estão na nossa frente. O medo nos cega e continuamos tateando na busca ilusória da perfeição.

Crédito de imagem: Remi Aerts

sábado, 28 de junho de 2008

Poema para Catarina





Catarina, Catarina
onde tu estás, menina?
É tanto desencontro
Que já ando perdendo o ponto.

E preciso costurar
Pois tramas faço para viver
Mas se fico a te procurar
Céus! de fome vou morrer.

Ah, menina danada
Para com esse esconde-esconde
Que minha vida atribulada
Precisa andar - nem te sei onde.

E então, eu a encontro
Brincando toda feliz
Pulando amarelinha
Bem debaixo do meu nariz.

E quando olho seus olhos
Brilhando de felicidade
A vida assume os contornos
Que ela tem de verdade.

Lucia Vianna

Crédito de imagem: Arturo Mejia Dominguez

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Sem condutor



Meu peito é habitado por uma imensidão de sentimentos. São tantos, e tão intensos, que as vezes, confesso, não sei o que fazer com eles. Em determinados dias, como hoje, me vejo refém da minha própria limitação. Busco palavras para traduzi-los; não as acho. Então permanece a incomoda sensação de algo que deseja, que precisa sair aqui de dentro, mas que não encontra veículo para ser conduzido para fora. E me debato; vasculho meu dicionário emocional. Nada!!! Tenho as definições, mas não sei onde estão as palavras que as antecedem.

E sinto. E sofro por não conseguir alforriar-me de meus sentimentos.

Crédito de imagem: Ilya Shubin

Sobre voar





Olho pela janela. O céu tem uma cor pálida; o sol, encoberto, é somente pressentido. Venta muito. Faz frio. Fico parada olhando um incauto passarinho que, a despeito da pouca receptividade do espaço circundante, teima em descrever círculos mais e mais abrangentes.

Fixo o olhar na dança solitária, nas asas que executam um balé sincronizado. Esqueço o tempo; meus olhos param e ficam presos no vai e vem constante, nos mergulhos feitos no vazio, no movimento cadenciado que o leva novamente para cima.

Sobe desce sobe desce.

Para onde vai? Por que vai? Imagino que careça de destino certo. Que simplesmente bata as asas e se deixe levar. Planando. Sobrevoando destinos. Executando o que lhe cabe , sem questionar. Exercitando sua condição de pássaro, de quem não se espera nada além da aceitação do espaço circundante. Do frio. Do vento que venta demais. Do sol encoberto e apenas pressentido. Do céu de cor pálida. Da vida vista através da janela.

Crédito de imagem: Nikola Petrovski

terça-feira, 24 de junho de 2008

Decepção


É um dedinho torto
no meio do tudo certo.
É o menino bobo
querendo ser muito esperto.

É um pinguinho roxo
no meio do mar azul.
É o vento que venta norte
Quando devia ventar sul.

É a mancha amarela
No vestido branco de festa.
É a espinha fora de hora
encravada no meio da testa.

É um monte de João
quando devia ser José
É a vida querendo ser perfeita
quando na verdade não é.

Lucia Vianna

Crédito de imagem: Makarov Igor


domingo, 22 de junho de 2008

Gotas de felicidade


Eu tive, como toda pessoa normal costuma ter, dois avôs; no meu caso, digo que tive aquele do tatu e aquele do poço ( lembram disso?). O meu avô “do poço” foi uma pessoa que, sem dúvida, teve um papel dos mais determinantes na minha infância, na minha vida. Tenho lembranças maravilhosas com ele, desde que me entendo por gente. A primeira delas é sobre uma caixinha. Isso mesmo, uma caixinha.

Meus avós moravam um tanto afastados dos meus pais e meu avô costumava percorrer o caminho de uma casa a outra de bicicleta. Para poder me transportar, já que eu não passava de um espirro de gente, ele construiu uma caixinha de madeira, a qual prendia na parte dianteira da bicicleta, e lá íamos nós. Ele ia assobiando músicas espanholas, as vezes as cantarolava, e eu, minúsculo pedaço de gente, ia batendo palmas e seguindo seu ritmo.

Depois eles se mudaram para São Paulo e eu passei a visitá-los de tempos em tempos. Na casa deles vivi dias maravilhosos, pois ela oferecia tudo o que uma menina sequiosa de aventuras poderia desejar. Foi lá que cai no poço, mas foi lá também que me descobri uma princesa, tendo por castelo uma imensa ameixeira e por carruagem um magnífico pé de goiaba.

Acho que foi lá, também, que foram plantadas em mim duas sementinhas que brotaram e fazem de mim a pessoa que sou hoje : a semente da leitura e a do fascínio pela História. Durante algum tempo meu avô foi sapateiro, e sua sapataria ficava num cômodo na parte da frente de sua casa. Eu passava horas a fio naquele local, junto com ele. Costumava me sentar no chão e ele me dava para “ler” um exemplar de Seleções. Eu começava, então, a inventar minhas histórias, e ele ia participando delas e as direcionando. Foi assim que fiquei conhecendo um homem mau chamado Hitler; foi lá, também, que tomei conhecimento das grandes guerras e da Revolução de 1932. Foi com ele que aprendi a pensar sobre os porquês de comportamentos humanos que mudaram todo o curso de vida de milhões de pessoas. E isso tudo feito assim, “lendo” Seleções.

Ah! O meu avô do poço era um homem de pouco estudo, mas de muita cultura. A medida que eu crescia ele lia comigo os gibis, assistia meu programa predileto: Pim pam pum; depois passamos a ler juntos os jornais. Quando entrei na faculdade ele quase enlouqueceu: era final da ditadura e ele usava de todo seu empenho para calar a neta que ele ensinara a pensar. Sobrevivemos a ditadura, ele e eu.
Ainda hoje, quando penso nele, vejo-me imersa num sentimento de bem estar. Não sei onde ele está, no momento. Se no céu, deve estar rodeado de anjinhos, instigando-os a questionarem as leis que regem o Paraíso. Pensar nisto me dá uma enorme vontade de sorrir, enche o meu peito de uma felicidade transbordante e me dá a certeza de que ele não deve se arrepender de nenhuma das histórias que me ensinou.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Sobre orfandade




Lembranças povoam meu peito. Algumas boas, outras ruins. Algumas tristes, mas a maioria delas muito, muito engraçadas. Meu pai era uma pessoa dotada de um profundo senso de humor.A maior parte das lembranças que guardo estão envoltas em risos, gargalhadas. Não que não fosse sério; era-o até demais. Hoje percebo, no entanto, que o bom humor parece ter sido sua opção de vida.

Recordo-me de tantas passagens, de tantos ensinamentos. Concordo inteiramente com o que se diz sobre ensinar com as próprias atitudes e não com palavras. Ele era um homem profundamente bom. Não me lembro de ter presenciado alguma atitude maldosa de sua parte. Não era alienado; tinha senso crítico e por vezes externalizava opiniões que não eram do agrado geral. No entanto, não o fazia com maldade, nunca com o intuito de ferir alguém. Aprendemos desde sempre que podemos manter nossos pontos de vista sem ridicularizar ou diminuir aqueles que pensam diferente de nós.

Era uma pessoa integra, honesta, batalhadora. Tentou, a sua maneira, nos deixar o que tinha de melhor. Apesar de ter sido criado numa situação extremamente desfavorável, livros sempre foram prioridade na minha casa. Nós os tivemos desde muito antes de aprender a ler. Sempre fomos estimuladas a aprender, a estudar, a dar o melhor de nós em qualquer situação.

Não que não tivesse defeitos; ele os tinha, e muitos. As vezes suas atitudes nos colocavam em lados opostos do campo de batalha. Cansei de brigar com ele, de questioná-lo. Sei que fui dura, que o magoei, assim como ele também fez o mesmo comigo. Entretanto, posso afirmar que as batalhas travadas não deixaram marcas tão profundas quanto os dias de festa.

O exemplo de vida mais significativo que tive dele deu-se exatamente quando ele não estava presente. Ou estava, mas de forma passiva, por assim dizer. Durante as horas que antecederam nossa despedida final, dezenas de pessoas se aproximaram de mim e me contaram de coisas que ele havia feito por elas, coisas das quais eu nem suspeitava. Fiquei impressionada ao ver o quanto ele foi capaz de auxiliar, anos a fio, uma infinidade de pessoas, das mais diversas formas que se possa imaginar. E nunca falou absolutamente nada sobre isso.

Hoje senti uma saudade imensa. Tive necessidade de tirar a colcha de retalhos de dentro do armário. Envolvi-me nela, a exemplo do que ele fazia quando eu era pequena. Lembrança mágica essa: ele chegava, eu já deitada, naquele frio horroroso; ele se aproximava da cama e fazia uma espécie de casulo com as cobertas. Cobria minha orelha e dizia que estava “fazendo quentinho”. Terna lembrança de um carinho que esquentava a alma.

Olhei cuidadosamente cada pedaço de retalho que formou a colcha da vida que hoje me envolve. Preciso coloca-la novamente no armário. Antes de fazê-lo, dou uma ultima olhada.
Nunca me senti tão órfã quanto hoje!

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Não saber


Solta no vácuo, vivo a angústia do não te saber.
Não sei o que pensas,
Não sei o que sentes,
Não te sei.


Não sei se te sinto,
Ou apenas pressinto.
Então me calo,
E amordaço em meu peito tanto querer.


Lucia Vianna

Crédito de imagem: Sergey Kovalinskij

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Abandonando moinhos




Uma briga feroz se desenrola dentro de mim.

Seria simplista demais dizer que o racional se digladia com o emocional. É muito mais do que isso. Existem momentos em que percebemos a necessidade de nos reorganizarmos, de abandonarmos velhos caminhos, velhos hábitos. Percebemos que as estradas que trilhamos estão se tornando becos sem saída.

A exemplo do que se faz num jardim, é chegado o momento da poda. Impossível não se angustiar frente a esta constatação. Apesar de necessário, podar implica em que se escolha o que vai ser deixado para trás. Implica, ainda, em se saber que durante algum tempo seremos obrigados a conviver com a falta dos ramos que foram subtraídos.

É necessário preparar-se para o encolhimento, para o retraimento. No entanto, não há outra alternativa, quando se percebe que a quantidade de seiva disponível não mais atende as necessidades primordiais. Há que se podar para sobreviver, para vicejar.

Como Dom Quixote, pareço travar uma luta incessante contra moinhos de vento. Estou cansada. É chegada a hora de aposentar Rocinante, de dar referências a Sancho Pança para que ele encontre outras atribuições.

É hora de seguir sozinha. De assimilar as amputações. De assumir as decisões. E aguardar as florações.


Tela de Pablo Picasso

sábado, 7 de junho de 2008

Circunspeção





Envolta em mim mesma, exploro silenciosa os recônditos do meu ser.
Observo-me , numa quietude quase reverente.
Levanto questões, busco respostas, alternativas.

Finalmente, desprendo-me das velhas roupagens,
E num processo libertador,
Lanço-me!

Agora é voar.
Romper completamente todas as amarras
E, definitivamente,
Ser Feliz!!!

Crédito de imagem: Petrosl

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Olhar-se no espelho

Quando estava na universidade eu tinha um colega que adorava lutar por uma boa causa.Bastava saber que havia baleias sendo dizimadas ou qualquer outra injustiça sendo cometida em algum canto do planeta e lá ia ele comandar uma passeata.No entanto, não conseguíamos fazer com que ele se interessasse por nossas reivindicações , pois ele as considerava coisas menores ou, como costumava dizer, “ coisas do quintal de casa”.

Assim como ele, me deparo muitas vezes com pessoas que só lançam seus olhares sobre aquilo que parece estar longe delas. São pessoas que choram e se emocionam profundamente quando vêem o resultado das guerras, quando vêem injustiças sendo cometidas contra os animais, por exemplo.

Sou a favor de que se cuide de todos os animais, incluindo as baleias. Mas me pergunto, constantemente: o que existe no quintal da minha casa para ser preservado?

Como ando tratando minhas plantas, meus animais, minha família, meus amigos e aqueles que não o são? Certamente que trato bem tudo e todos que amo. Mas como trato aqueles a quem não amo?

Não se trata , em absoluto, de fazer apologia ao “ Ame seu irmão”.

Quando penso sobre isto, penso naquelas pequenas atitudes que parecem inócuas, mas que magoam e prejudicam aqueles a quem são dirigidas.

Por que somos capazes de defender as baleias e não somos capazes de perceber que nossos comentários, baseados numa visão simplista e deformada, podem ser tão igualmente destrutivos? Por que percebemos maldade em quem destrói um cardume, mas não a percebemos quando atacamos com palavras um único indivíduo?

Senso crítico é essencial ao desenvolvimento humano. Mas o verdadeiro senso crítico discute idéias, e não, arrogantemente, pessoas. Tenho todo o direito de discordar das posturas de quem quer que seja, porém não tenho o direito de expô-las.

Se não concordo, afasto-me. Acho que aí reside a diferença entre senso crítico e maldade crônica.

A opção é minha.

Ou, se não quero optar, sempre posso ir salvar baleias.