domingo, 22 de junho de 2008

Gotas de felicidade


Eu tive, como toda pessoa normal costuma ter, dois avôs; no meu caso, digo que tive aquele do tatu e aquele do poço ( lembram disso?). O meu avô “do poço” foi uma pessoa que, sem dúvida, teve um papel dos mais determinantes na minha infância, na minha vida. Tenho lembranças maravilhosas com ele, desde que me entendo por gente. A primeira delas é sobre uma caixinha. Isso mesmo, uma caixinha.

Meus avós moravam um tanto afastados dos meus pais e meu avô costumava percorrer o caminho de uma casa a outra de bicicleta. Para poder me transportar, já que eu não passava de um espirro de gente, ele construiu uma caixinha de madeira, a qual prendia na parte dianteira da bicicleta, e lá íamos nós. Ele ia assobiando músicas espanholas, as vezes as cantarolava, e eu, minúsculo pedaço de gente, ia batendo palmas e seguindo seu ritmo.

Depois eles se mudaram para São Paulo e eu passei a visitá-los de tempos em tempos. Na casa deles vivi dias maravilhosos, pois ela oferecia tudo o que uma menina sequiosa de aventuras poderia desejar. Foi lá que cai no poço, mas foi lá também que me descobri uma princesa, tendo por castelo uma imensa ameixeira e por carruagem um magnífico pé de goiaba.

Acho que foi lá, também, que foram plantadas em mim duas sementinhas que brotaram e fazem de mim a pessoa que sou hoje : a semente da leitura e a do fascínio pela História. Durante algum tempo meu avô foi sapateiro, e sua sapataria ficava num cômodo na parte da frente de sua casa. Eu passava horas a fio naquele local, junto com ele. Costumava me sentar no chão e ele me dava para “ler” um exemplar de Seleções. Eu começava, então, a inventar minhas histórias, e ele ia participando delas e as direcionando. Foi assim que fiquei conhecendo um homem mau chamado Hitler; foi lá, também, que tomei conhecimento das grandes guerras e da Revolução de 1932. Foi com ele que aprendi a pensar sobre os porquês de comportamentos humanos que mudaram todo o curso de vida de milhões de pessoas. E isso tudo feito assim, “lendo” Seleções.

Ah! O meu avô do poço era um homem de pouco estudo, mas de muita cultura. A medida que eu crescia ele lia comigo os gibis, assistia meu programa predileto: Pim pam pum; depois passamos a ler juntos os jornais. Quando entrei na faculdade ele quase enlouqueceu: era final da ditadura e ele usava de todo seu empenho para calar a neta que ele ensinara a pensar. Sobrevivemos a ditadura, ele e eu.
Ainda hoje, quando penso nele, vejo-me imersa num sentimento de bem estar. Não sei onde ele está, no momento. Se no céu, deve estar rodeado de anjinhos, instigando-os a questionarem as leis que regem o Paraíso. Pensar nisto me dá uma enorme vontade de sorrir, enche o meu peito de uma felicidade transbordante e me dá a certeza de que ele não deve se arrepender de nenhuma das histórias que me ensinou.

14 comentários:

Uma aprendiz disse...

Bom dia, querida.
Só conheci minha avó materna. Não tive essa fecilidade no real, mas, pude aqui, curtir o seu (o nosso) vovô.
Que delicia esse espaço!
Adoro vir aqui compartilhar da sua vida, desses fragmentos que você puxa da memória e que nos delicia.

um grande beijo

Lucia disse...

Olá, Etel:

Bom ter você aqui novamente. Senti sua falta. Sabe que a cada dia que passa eu mesma me encanto mais e mais com o blog? É como você falou, virou um espaço: é o meu cantinho. Gosto de escrever minhas idéias, de dividir meu sentir com quem me visita. E assim vou seguindo: de fragmento em fragmento, vou continuando a costurar minha vida..rs
Beijos, menina

Anônimo disse...

Pelo amor de Deus mulher...

Assim você me faz chorar, e homem que homem não chora...rssss

Primeiro pela lembrança deste nosso super herói...

E depois por hoje ter nos meus braços, o “espirrinho de gente”...

Obrigado Lucia por compartilhar conosco estas suas lembranças e pela forma carinhosa com as descreve, nos fazendo entrar numa maquina do tempo e vermos de perto novamente estas figuras destes super seres que foram tão importantes em nossas vidas...

Beijo grande.

Sonia Regly disse...

Lúcia,
Engraçado como certas pessoa marcam nossa vida. Esses avós sempre serão lembrados com carinho, venerados por tudo o que te ensinaram.São lembranças gostosas, vivas e reais.Viajei junto com vc.Parabéns, cada dia vc está crescendo e aperfeiçoando mais esse dom de compartilhar. Obrigada por dividir conosco coisas tão belas e profundas.Beijinhos.

Anônimo disse...

Adorei este texto. Ele é compacto, tem uma força... algo comparado com uma barra pastosa de doce de leite, rsrsrsrs. Muito bem escrito, talvez pelo conteúdo ser muito bom... interessante como foi "passando" de um tempo para outro rapidamente, mas ao mesmo tempo dando conta dos aspectos mais importantes. Vi imagens quando li seu texto hoje; e costumo pensar que este é o "maior poder" de uma literatura... nos transportar... para os sentimentos, as lembranças, as coisas e pessoas narradas. Te vejo balançando na bicicleta a caminho de... na sapataria... rsrs...

Um beijo imenso.
Thereza.

Lucia disse...

Sonia:

As vivências da nossa infância são uma herança que recebemos em vida.
Eu sou riquissima..rs. Tive muita sorte, pessoas especiais fizeram parte do meu cotidiano durante o tempo em que eu apreendia a vida. Se hoje consigo viajar pelas boas lembranças e levar comigo outros viajantes é porque, sem dúvida, aprendi com os melhores condutores.
Beijos

Lucia disse...

Thereza:

Barra pastosa de doce de leite, é? Só você, mesmo..rs. Aliás, moça, quando é que a senhora vai se dispor a ter o seu próprio espaço e nos permitir compartilhar das coisas que escreve? Tenho textos seus do tempo em que era minha aluna na universidade, ou seja, nos idos de mil novecentos e é melhor esquecer..rs. Falando sério, agora: sinto saudades de te ler. Toma coragem, perde a preguiça
e publica suas preciosidades.
Beijos, querida

Lucia disse...

Sergio:

Você agora é que vai ser o super herói..rs. Afinal,seu "espirrinho" de gente não vai ter 2.600 kilos prá toda a vida. Daqui a uns dias ela vai estar correndo atrás de você, pedindo atenção, e vai ser sua vez de contar histórias, inventar música e tudo o mais. Aí sim você vai ver o que é chorar.
Beijos, meu amigo lindo, um beijão maior ainda na Cecilia. Beijos também para a Catarina.

Anônimo disse...

Sério que tem textos meus do tempo da universidade?!!! Nossa!!! Dessa eu não me lembrava mesmo!!!

Sim... acho que tenho que criar um "espaço meu" pra escrever... é maravilhosa esta possibilidade!!!

Quanto a barra de doce de leite... Acho que entendeu a comparação: De uma ótima textura este último material!!!

Bem, deixe-me ler o último!

Um beijão, boa quarta!
Thereza.

Ah! Você recebeu minha msg no msn sobre o blog do Clarear?

Lucia disse...

Thereza:
Tenho sim textos seus. Não sei bem onde encontra-los no meio das minhas coisas, que como você sabe não são poucas, mas "sei-os" por aqui..rs. Entendi a comparação, sim, achei-a fabulosa, por isso mesmo brinquei com você.
Beijos, querida.

Ah! não recebi a mesnagem. Em compensação, acabei de receber do Enio uma entrevista original do Freud, de 1926. Sensacional. Vou te mandar.

Anônimo disse...

Lu, então... fiz um blog para o "Clarear"; Quando tiver um tempinho dá uma olhadinha: http://clarearpsi.blogspot.com.
Envie-me sim a entrevista de Freud que quero lê-la!
Ah! Sobre meus textos? Que textos serão estes?!... Já fico imaginando quanta bobagem não devo ter escrito em mil novecentos e... Penso que talvez hoje escreva "melhor"... com mais experiência e mais leituras... acho que isso influencia, não é?
Sabe que quando era criança queria ser escritora? E durante a adolescência escrevi vários roteiros para teatro que foram utilizados? Não sei porquê a gente abandona algumas idéias?!! Rsrs...Sabe que neste meu período "sabático", rs... tenho pensado em retomar algumas...E sempre ficava atrás das pessoas, dos meus pais, lendo as coisas que escrevia... e foi assim até vida adulta... rsrsrs. Por isso, devo ter lhe entregue alguns - mas não lembrava mesmo.
Falando nisto, quando li o seu texto "Sobre orfandade" fiquei pensando que talvez você pudesse criar um roteiro para o cinema. Não seria o máximo?!!!
Beijos.

Thereza.

Lucia disse...

Thereza:

São poesias,isso me lembro. Vou procurá-las e te mando ( só não sei bem quando..rs). Roteiro para cinema?? Valha-me Deus!! Você bebeu, foi??rs
Beijos, querida

O Sibarita disse...

Dona Lúcia, essas lembranças são boas!

Os avós tem importância muito grande na nossa formação, felizes são aqueles que tiveram e conviveram com os avós paternos e maternos.

Você é uma grande mulher, a sua bondade se vê é imensa e intensa contagia a nós seus leitores quando relembra e compartilha a sua infância, que bom não?

Oi desculpe a demora em vir aqui, sabe, Santo Antonio, São joão. Aiaia! kkkkk

Eu solto nas buraqueiras... kkkkk

bjs
O Sibarita

Lucia disse...

Sibarita:

Se tem alguém que não pode reclamar
de falta de avós, esse alguém sou eu. Tenho histórias lindas, lembranças que guardo com um carinho que você nem faz idéia.Tenho é que me controlar para não fica falando só nisso, ou daqui a pouco meu blog vai virar casinha doa avós..rs
Mas você, hein, moço.. se esbaldou, né? Fiquei sabendo, viu?
Acordei outro dia aqui com uma falação de fazer medo; era São João, fazendo promessa para tirarem um tal baiano arretado lá das bandas dele..rs. Mas me conte:
aproveitou bastante? Pelo que falou lá no blog, tenho até medo de imaginar..rs
Beijos, moço, volte sempre e logo.