terça-feira, 17 de junho de 2008

Sobre orfandade




Lembranças povoam meu peito. Algumas boas, outras ruins. Algumas tristes, mas a maioria delas muito, muito engraçadas. Meu pai era uma pessoa dotada de um profundo senso de humor.A maior parte das lembranças que guardo estão envoltas em risos, gargalhadas. Não que não fosse sério; era-o até demais. Hoje percebo, no entanto, que o bom humor parece ter sido sua opção de vida.

Recordo-me de tantas passagens, de tantos ensinamentos. Concordo inteiramente com o que se diz sobre ensinar com as próprias atitudes e não com palavras. Ele era um homem profundamente bom. Não me lembro de ter presenciado alguma atitude maldosa de sua parte. Não era alienado; tinha senso crítico e por vezes externalizava opiniões que não eram do agrado geral. No entanto, não o fazia com maldade, nunca com o intuito de ferir alguém. Aprendemos desde sempre que podemos manter nossos pontos de vista sem ridicularizar ou diminuir aqueles que pensam diferente de nós.

Era uma pessoa integra, honesta, batalhadora. Tentou, a sua maneira, nos deixar o que tinha de melhor. Apesar de ter sido criado numa situação extremamente desfavorável, livros sempre foram prioridade na minha casa. Nós os tivemos desde muito antes de aprender a ler. Sempre fomos estimuladas a aprender, a estudar, a dar o melhor de nós em qualquer situação.

Não que não tivesse defeitos; ele os tinha, e muitos. As vezes suas atitudes nos colocavam em lados opostos do campo de batalha. Cansei de brigar com ele, de questioná-lo. Sei que fui dura, que o magoei, assim como ele também fez o mesmo comigo. Entretanto, posso afirmar que as batalhas travadas não deixaram marcas tão profundas quanto os dias de festa.

O exemplo de vida mais significativo que tive dele deu-se exatamente quando ele não estava presente. Ou estava, mas de forma passiva, por assim dizer. Durante as horas que antecederam nossa despedida final, dezenas de pessoas se aproximaram de mim e me contaram de coisas que ele havia feito por elas, coisas das quais eu nem suspeitava. Fiquei impressionada ao ver o quanto ele foi capaz de auxiliar, anos a fio, uma infinidade de pessoas, das mais diversas formas que se possa imaginar. E nunca falou absolutamente nada sobre isso.

Hoje senti uma saudade imensa. Tive necessidade de tirar a colcha de retalhos de dentro do armário. Envolvi-me nela, a exemplo do que ele fazia quando eu era pequena. Lembrança mágica essa: ele chegava, eu já deitada, naquele frio horroroso; ele se aproximava da cama e fazia uma espécie de casulo com as cobertas. Cobria minha orelha e dizia que estava “fazendo quentinho”. Terna lembrança de um carinho que esquentava a alma.

Olhei cuidadosamente cada pedaço de retalho que formou a colcha da vida que hoje me envolve. Preciso coloca-la novamente no armário. Antes de fazê-lo, dou uma ultima olhada.
Nunca me senti tão órfã quanto hoje!

30 comentários:

Sonia Regly disse...

Ai, Lúcia que texto lindo!!! Meus olhos encheram d'água, essa lembrança perdurará para sempre.Se as lembranças existem é sinal que ele cumpriu seu papel, foi um excelente pai e deixou saudades.É bom termos saudades, mostrando assim que a lembrança é válida e boa.

Lucia disse...

Sonia:

Eu também tive que parar várias vezes, enquanto escrevia, por causa das lágrimas. Você está certa: ele cumpriu seu papel.
Muito do que sou, hoje, devo a ele.
Aliás, me considero uma pessoa abençoada. Tive pessoas maravilhosas fazendo parte da minha infância e ainda tenho, hoje em dia.
Beijos

Rosani disse...

Olá! Lucia

Estou sem palavras, como sempre fico emocionada ,sei bem que vc senti, me fez lembrar nesse seu texto maravilhoso, vários momentos mágicos que passei com o meu pai, e hoje são mais belas lembraças e exemplos de amor que tenho dentro de mim.

beijos, Rosani

Lucia disse...

Rosani:

Acho que esse foi um dos mais dificeis textos que escrevi, porque a medida em que ia escrevendo uma enormidade de imagens e lembranças passavam pela minha cabeça. Queria poder colocá-las todas para fora, mas aí um texto só não seria suficiente.
São coisas demais para recordar, e todas estão impregnadas de um sentimento enorme. Enfim, vou escrevendo as que posso, esperando um dia conseguir colocar no papel metade da experiencia maravilhosa que foi ser filha do meu pai.
Beijos

paulo disse...

Garota Lucia:

Fico bobo com essa capacidade que vc possui de fazer com que, quem te lê, passeie junto com vc através do que vc diz. Mais admirável ainda, pq vc narra histórias na primeira pessoa, sem tirar o caráter universal do que escreve.
E nós vamos te seguindo pelo texto, vendo as imagens que cria, sentindo frio ou calor, os cheiros, as paisagens.Transpiramos sentimentos.
Vc é generosa quando escreve, pois até meu pai eu trouxe para esse passeio, assim como outras pessoas certamente o fizeram.
É isso. Vc se move naturalmente pelas emoções com suas palavras. Adoro te ler.Parabéns!

Beijos

Lucia disse...

Paulo:

Generoso é você. Não adianta a gente falar de sentimentos com quem não tem capacidade ou vontade de entendê-los. Você entende muito bem deles, assim como outras pessoas que me leem, como você diz, e embarcam no meu sentir. Escrever na primeira pessoa não é tão dificil quando quem lê também lê na primeira pessoa; nesse sentido, me considero extremamente feliz. Todas as pessoas que costumam ler meus textos, aqui, e que os comentam, são possuidoras dessa capacidade mágica do sentir. Cada comentário feito me diz da sensibilidade de quem está lendo e me impulsiona a tentar escrever mais e mais.
Obrigada pelo apoio. Adoro você!
Beijos

Anônimo disse...

Que lindo texto Lúcia, me fez sentir saudades do meu pai também.
Um beijo.

Lucia disse...

Graciene:

Que bom que gostou! Também sinto uma saudade imensa do meu pai e acho que tudo o que escrever sobre ele ainda vai ser pouco para aplacar a falta que ele me faz.
Beijos

Maria Auxiliadora N F Nery disse...

Lu,

Ler esse texto foi muito mobilizador para mim.
Me transportei em cada trecho.Revivi muitas coisas.Sofri.Deu saudades.Chorei.Depois brutamente precisei sair.
Beijos.
Dora.

Lucia disse...

Dorinha:

Temos algumas experiências tão semelhantes, né? Apesar da tristeza que sentiu, que bom que você também tem um paizinho maravilhoso dentro de você para se lembrar.
Te amo, minha amiga querida
Beijos

Anônimo disse...

Não sei porquê, fui lendo e ficando arrepiada... rsrsrs.
Pais, mães, filhos, irmãos são coisas especialíssimas.
Mas esta última linha deu vontade de pegar no cólo... rsrsrs.
Nós, seus amigos, te amamos muito...
E também do jeito que fala parece que vai colocar sua colcha no armário pra sempre, e talvez não seja assim.
Além do mais tem outras colchas, como disse: a do amor dos seus amigos...
- Vai, pelo menos não se sinta órfã de irmãos, viu!!?

Abração,
Thereza.

Sonia Regly disse...

Lúcia,
Eu ainda tenho pai e ele é meu amigão, está sempre aqui consosco. Mas meu marido eu o chamo de pai também, pois ele cuida de mim como se eu fosse uma filhinha.É muito bom!!! Marca com a hora dos meus compromissos, a hora do remédio da pressão.Ele é meu paipai, cuida muito bem de mim!!!!

Anônimo disse...

Oi Lucia!
Vim agradecer sua visita e me deparo com essa maravilha do seu cantinho....
Seu texto, não tenho palavras pra expressar o que senti....uma mistura de saudade, de lembranças, um desejo de um abraço paterno... Que bom que fostes me visitar e me proporcionar esse momento de grandes emoções.
bjssssss

Lucia disse...

Thereza:

Também não sou uma orfã completa, viu? rs. Tenho minha mãezinha, minhas duas irmãs maravilhosas, sem contar alguns irmãos que, como você, não nasceram na minha família, mas foram por mim escolhidos durante a vida. É só que
neste momento específico eu sinto falta mesmo é do meu pai, e este vazio não pode ser preenchido por outras pessoas. Mas não estou carente de amor, ao contrário, este vocês me proporcionam e muito.
Beijos, minha irmã escolhida. Amo você!

Lucia disse...

Sonia:

Que bom qua você ainda tem seu pai bem aí juntinho de você, e um marido maravilhoso que te cuida da forma que você merece. É muito bom quando nos sentimos cuidadas e amadas por aqueles que estão ao nosso redor, né?
Beijos

Lucia disse...

Agua cristalina:

Que bom que gostou do meu cantinho e que pode emocionar-se com ele, dividindo comigo seus sentimentos.
Seja bem-vinda e volte sempre.
Beijos

MARIPA disse...

Ao ler o seu texto tão sentido,quanta saudade senti do meu pai .Emocionei-me ...a vontade que eu tive de o abraçar e de me aconchegar a ele.

Obrigada, neste momento senti-o pertinho de mim.

Beijo carinhoso.

O Sibarita disse...

Dona moça! Belo texto de um sentimento estremamente apaixonante no tocante ao seu valoroso pai!

A vida é isso, a certeza de que um dia todos nós desencarnamos para mais tarde reencarnarmos na busca do melhoramento do espírito sempre!

A caminhada, o aprendizado, a esperança, o perdão, a bondade são inerente à todos nós e ai pelo seu texto vê-se que seu pai fez o seu caminho centrado nesse pilares, exemplo para todos!

Oi Santo Antonio II já está lá... kkk

Eita, essa é a mulher, ora se é! kkkk

bjs
O Sibarita

Lucia disse...

Maripa:

As saudades são imensas, mas temos sorte. Só sente saudades quem tem alguma coisa boa para se lembrar. Acredito que somos felizardos, pois pudemos ter em nossas vidas pessoas boas e dignas que fizeram toda a diferença.
Beijos

Lucia disse...

Sibarita:

Quando eu era menina li uma frase da qual nunca me esqueci. Dizia:
"Vê como vive tua vida; talvez seja ela o único evangelho que teu irmão lê".
Acho que meu pai foi um belo "evangelho".
Beijos!!!

Ó.. se eu tinha alguma esperança, depois de ler a segunda parte do Santo desisti de vez..rs Vou aprender a fazer tricô.. kkkkk

Sonia Regly disse...

Linda Amiga Lúcia,
Minha filha colocou o feeds no meu Blog, eu não entendo essa parte de configurações. Vou ver com ela, não sei porque está dando esse conflito.Obrigada por me avisar,quando descobrir o motivo te aviso.Beijinhos.

O Sibarita disse...

kkkkkkkkkkkkkkk Aprenda não fia! Para que tricô? Já era! kkkkk

Dona Lúcia porque vc não vem para a Bahia? Venha fia! Aqui tudo é tão legal... kkkkk

Se Santo Antonio negou fogo, acredite no Senhor do Bonfim, faça fé! Venha! kkkkkkk

Você é 100000000000000000 aiaiiaiaiaiaiaiaaiia... Tic, tac, tic, tac... kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

E o São joão, como é que é? Aqui o coro come sarteado e ninguém vê! Por que será? kkkkkkkkk

Ai Deus! kkkk

bjs
O Sibarita

Lucia disse...

Sonia:

Eu também não entendo nada..rs. Vou esperar você resolver e me avisar, então.
Beijos

Lucia disse...

Sibarita:

Vou aprender fazer trico para fazer uma blusa bem apertada prá Santo Antonio..rsrs. Senhor do Bonfim, é? tá..rs. Estou ficando descrente da santaiada toda. Sei lá, parece que tem baiano fazendo poema prá tudo que é santo.. e aí já viu, né? Não sobrou um santo prá atender os pedidos da gente. Estão todos lá, atrás de trio elétrico, olhando pernas de Ivete Sangalo e por ai vai..rs. Mas já estou me preparando, pode deixar. Já fiz até promessa: se arrumar o tal namorado, vou subir o Elevador Lacerda de joelhos..kkkkkkkkkkkkkk
Beijos, moço.

Odele Souza disse...

Lucia,

Um texto maravilhoso este seu. Mas não te sinto na orfandade não.Penso que órfãos são aqueles que não têm essas bonitas lembranças dos pais. Considero-te uma privilegiada por ter de teu pai estas bonitas lembranças, que ficarão contigo para sempre, como um tesouro.

Um beijo e boa semana.

Deusa Odoyá disse...

Oi minha estimada amiga Lucia.

Eu também custei acreditar que deus tinha levado o meu tesouro mais precxioso.
mas descobri que deus precisava de um anjo para ajudá-lo, então me conformei e orei por ele.
Sei que de onde está sempre me dá bons conselhos espiitualmente.
amiga As lenbranças são tristes e vazias, mas pense como eu, ele agora é um anjo de deus.

beijos e fique na paz.
Beijos da nova amiga.

Regina Coeli.

A que está escrita. disse...

Lindo. Eu tenho a felicidade de ter os meus pais ao alcance do telefone e já sinto uma imensa saudade de tê-los ao alcance do abraço! Então, sua saudade me emocionou.

Um abraço!

Lucia disse...

Odele:

Abri um sorriso enorme ao ler o seu comentário. Apesar de te conhecer há bem pouco tempo, acho que ele tem a sua cara. É típico seu conseguir enxergar o que há de melhor em qualquer situação. Você é mesmo uma pessoa muito especial.
Um beijo

Lucia disse...

Regina:

A saudade doi, mas as lembranças regeneram a dor e fazem brotar coisas belissimas dentro de nós.
Beijos, menina

Lucia disse...

Paloma:

Pais são coisas tão especiais, né?
Eu, como você, abraço minha mãe pelo telefone. Quanto ao meu pai, (apesar da saudade que as vezes bate de forma dolorosa) acredito que o tenho mais perto, pois ele está sempre por aqui, habitando meus pensamentos e sentimentos. Longe, porém perto.
Beijos